domingo, 7 de abril de 2019

Memórias de um soldado

Dia 07/04/2008, a exatos 11 anos, chegavam juntos ao Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da PMBA no Alto de Ondina, cerca de 2000 jovens, que após um dos concursos mais disputados na história da instituição realizariam a inscrição no Curso de Formação de Soldados (CFSd).

Aquele ano foi marcado por muitas baixas na instituição, extremamente violento e pesaroso para todos.
Em um domingo de sol escaldante, eu estava de serviço interno do corpo de alunos, na área cívica da caserna, totalmente vazia e silenciosa, diferentemente dos demais dias da semana. Passou por mim o Sargento de Dia, prestei a tradicional continência, cumprimento propriamente militar e ele me disse:
- Aluno! Com esse sol em pleno domingo era pra estarmos numa praia.
De natureza tranquila, próximo de completar seu tempo e ir para a reserva, o Sgt PM Wilson França morreria poucos dias depois, após reagir a um assalto na cidade de Feira de Santana onde residia. Formamos após quase 9 meses de curso e a turma 2008 recebeu o nome do Sargento como uma homenagem póstuma.

Tudo girava em torno de nós. Viviamos nossas emoções e expectativas. Tinhamos um novo Governo, que fez de nós "a bola da vez". Eramos sua propaganda, pareciamos até a solução para todos os problemas da segurança pública.
Seguimos em frente, enfrentando nossos desafios e tensões, vibrando como convém aos militares (Selva) e esperando nossa hora.

Inicialmente, fomos para as ruas, no serviço de Policiamento Ostensivo a Pé até que fomos distribuídos em nossas unidades. Escolhemos nosso destino. Eu cheguei a 11ª CIPM, companhia que possui uma tropa de excelência. Ganhei uma nova família.
Eu cresci, descobri a partir de então que nem tudo era como o que pensei. Ouvi os mais antigos, vivi minhas experiências até aqui e muito aprendi. Eu sofri a injustiça de ser julgado sem me conhecerem, por causa de uma minoria suja que nos desonra. Fui incompreendido quando tive que fazer meu trabalho, usar a força, conduzir o parente ou amigo de alguém, mesmo estes sabendo que não era injustamente. Já corri riscos com velocidade, fosse para atender eficientemente uma ocorrência, prestar socorro ou apoio a companheiros. Vivi a dor dos outros mesmo não sendo meus problemas. Ajudei mesmo sabendo que a gratidão nem sempre seria o retorno. Vivenciei as dores e os sorrisos de meus companheiros, irmãos de farda e de armas, tão humanos quanto eu. E a minha dor, é nossa humanidade ser tantas vezes descartada, não podemos errar, é feio e estranho nos alimentarmos, não podemos parar para um cafézinho, encontrar outra guarnição e jogar conversa fora por um momento que "não fazemos nada". Ouvir que o nosso salário é pago pelo locutor esquecido de que também pagamos impostos e por isso contribuimos com nosso soldo. Simplesmente acostumamos, embora doa.

Nesses anos, que são poucos, recebendo notícias dos "da escola", meus colegas de turma, me alegrei pelos que saíram da instituição por que tinham outros horizontes como destino, seguiram o oficialato, casaram, se tornaram pais, (diga-se de passagem que eu mesmo constituí família), mas senti pelo que se perdeu no caminho, ficou doente e por essas causas foram desligados. Tristeza maior pelas baixas. Santos Freire, o mais próximo de nós, amava e acreditava tanto no que fazia, infelizmente foi embora cedo demais.
Nossa dor maior. Cuida de nós oh SENHOR!

São poucas as linhas, para as muitas histórias. Isso é só um resumo. Talvez não muito do que outros possam contar ou complementar.
Minhas recordações me fazem grato, me permitem ver o quanto andamos e conquistamos. Com elas felicito a todos da turma de soldados Sgt PM Wilson França (A turma do Apocalipse).

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